morte prematura

... e uma estrela desesperada atropelará nossos corpos
ante a indiferença de tantos astros.
Ninguém haverá de querer testemunhar nossas mortes
e somente os pássaros sentirão nossas perdas.

Apesar de ensangüentadas, nossas mãos estarão unidas,
num depoimento amargo, mudo e sem gestos,
e nossa agonia será como um grito de pavor.

A esta hora, quem sabe, passe e pare um transeunte
e, surpreso, possa rir seu riso sarcástico.

Nosso sangue será disputado entre as plantas carnívoras
e crescerão árvores sem raízes, frutos sem sementes,
e de suas entranhas haveremos de colher nossas esperanças.

Muitos olhos estarão fixos em nós e, indignados,
perguntarão a si mesmos o porquê de nossa partida.

Nesse dia, o mar estará revolto e expulsará os banhistas,
os peixes, os navios e, sobretudo, os submarinos assassinos.

Uma criança paralítica compreenderá a razão disso tudo
e procurará uma igreja para confessar sua inocência.

Então, entenderei o motivo pelo qual foi feita a bomba atômica,
mas estarei distante e impassível a tanto remorso.

Depois, nossos corpos estarão cobertos por jornais antigos
(é para que ninguém veja o que sempre se vê)
e, sobre nós, as tétricas manchetes de estúpidos heróis.

Teremos gritado às profundezas do mundo,
às labaredas do fogo que incendiou nossas vidas
e, sobretudo, a Deus, em sua distância incomensurável.

E agora, o momento derradeiro: nunca mais nos veremos,
mesmo que o sol se parta
e espalhe clarões em nossa tumba escura,
mesmo que Deus,
inconformado,
se arrependa de nos ter chamado tão cedo,
mesmo até que o nosso filho nasça deste último delírio.
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E uma ave branca sobrevoará nossos corpos decompostos.