opção

de volta à liberdade antiga,
sonho azul de madrugadas incendiadas.
as mãos de aço apalpam o vento
na batalha sangrenta e repetida:
- há um caminho por onde seguem estrelas
e um desvio por onde cruzam os pássaros.
no leito, a nuvem branca, o céu azul.
de volta às origens, a fuga,
eco noturno de gritos insatisfeitos
e a certeza, sobretudo, da viagem amanhecida
- a sombra adormece pálidos êxtases!...

do primeiro ato

Quem mais - além de mim -
viveu o silêncio dos mortos;
as palavras impregnadas de angústia e desespero,
atiradas à alma como paralelepípedos imensos?
............................................................
Por que estou aqui, agora,
se já tomei consciência de minha morte,
se muitas vezes eu morri sem ter sabido?...

lirismo

Serei o último a dizer,
mas se não o for,
direi apenas que você foi
muito mais que uma lembrança:
- uma saudade...

busca

Fujamos depressa das angústias do século,
Das futuras manhãs vestidas de luto,
Das antigas profecias manchadas de sangue,
Da imagem neurótica estamapada no mundo.

Corramos em direção ao silêncio dos mudos,
À estranha calma dos sábios desaparecidos,
À poesia em nós adormecida,
À última noite de nossas andanças.

Seja este o momento não vivido.

viagem desesperada

E o trem partirá conosco apenas,
para uma viagem distante.

Da estação nossas mães nos acenarão pela última vez,
mesmo que fracasse nossa tentativa de saltar.

Então, haveremos de não olhar
seus olhos vermelhos, seus rostos molhados,

como que pressentindo nossa ausência
absoluta e definitiva.

Estaremos como dois pássaros embriagados,
só nossas mãos estarão unidas
e isso você sabe porquê.

Nosso silêncio se fará sentir,
mesmo que a vidraça do trem se arrebente
e caia orvalho da madeira imóvel.

E em cada apito,
em cada parada em estação,

haveremos de nos lembrar de nossa infância:
- uma saudade louca vai se apoderar de nós

e gritaremos como duas crianças desesperadas,

mesmo que o trem passe por cima de uma rosa branca,
mesmo que o trem atropele um cachorro louco.

E depois, bem depois,

nunca mais haverá parada

e mais tarde, quem sabe

um guarda-trem macabro nos pergunte se conhecemos Deus
e se estamos prontos para enfrentar a morte...

a morte

minha morte está anunciada em teus olhos,
nestas últimas pétalas caídas
e, sobretudo, nesta garoa nostálgica
desta tarde insatisfeita.


................................. c
................................. a
................................. v
................................. o

................cravo...........a .......... cruz

................................. c
................................. o
................................. v
................................. a


minha morte está anunciada na vidraça do tempo,
no tempo distante em que viverei.

pergunta:

MÃE,
por que eu
quando estava
em teu ventre
te pedia tanto pra nascer
e agora, em tua presença,
muitas vezes me suicido?...

decomposição

não mais sei do espelho que me vê mais velho,
da imagem distorcida que se olha,
dos olhos grandes, sempre grandes, mas tristes,
de tudo quanto não foi possível viver.

tempestades alheias conquistaram o sonho,
me anuncia o tempo, restrito e consumido.

tem chovido muito neste lado da vida
e entre as nossas cabeças e o peito de pedra,
já se ergue o paralelepípedo do mundo:
- não sabíamos do suicídio dos pássaros.

no mundo da lua

O tempo fez do homem um escravo.
A máquina leva o homem à Lua.
A máquina submete o homem as suas exigências
A máquina escolhe o homem.
A máquina arrebenta o homem.
A máquina assassina o homem.
.........................................................
Como cidadão comum e vacinado,
da platéia contemplo o espetáculo circense
(o maior espetáculo circense),
estagnado, mudo e surdo.
Só os olhos vêem.

acalma-te

Acalma-te,
se alguém te acenar ao longe
e um lenço branco simbolizar
o inevitável;
acalma-te,
se tua mocidade
se perder no silêncio das horas,
se de tua alma a angústia
se apoderar;
acalma-te,
se de teus olhos lágrimas rolarem!

quando do remorso inexistente

O remorso não abala
a estrutura do momento.
Não tive culpa de nada.
Estou como a criança perdida
no fundo de uma tumba,
pedindo a vida que não teve.

As velas já foram descobertas.

Na penumbra, acesas,
terrivelmente palpáveis,
pressinto os próximos momentos:
- o outro lado do estranho mundo
onde habitarão os pedaços do meu ser.
Não tive culpa de nada.
Estou quase no fim de minha montanha de angústias:
- já construí todos os cemitérios do mundo!...

poema

talvez
ou mesmo porque
e apesar de tudo
os caminhos ostentassem
flores

e em meus olhos
onde se via
um brilho de esperança
duas lágrimas rolaram

poema nosso

guardarei para você as últimas palavras
e lhe apontarei as falsas testemunhas.
talvez eu não perceba um gesto,
mas a expressão estará em sua face
e eu serei o réu em todos os momentos.

guardarei para você os primeiros,
os segundos e os últimos raios de luz
e todo e qualquer som que esta manhã emitir.

talvez me ausente no momento exato
e perca a memória e, sobretudo, os sentidos
e me descubra só quando tiver despertado.

guardarei para você meu peito em chamas,
o fogo que cresceu e se propagou na montanha,
o vento que agitou seus cabelos umedecidos,
a chuva que molhou seus pés ensangüentados.

carne e osso, sou feito de ausência.

guardarei para você as minhas mãos vazias
e todo um sonho adormecido.

ainda que tudo tenha passado e seja tarde,
guardarei para você o último sol
e a primeira estrela que minhas mãos tocarem.

momentos

Te conheci, criança,
quando de minha última morte
na distante terra das árvores azuis.
Eras pálida
e de teu olhar – mudo depoimento –
assimilei o significado dos pássaros ausentes
e quis, neste instante
construir palavras que falassem aos teus sentidos.

Eras tão pura.
De tua branca inocência
descobri manhãs virgens
no misterioso ventre do destino.

Eras tão pura para ser humana!

Te conheci, criança,
quando o meu sono mais profundo
suscitava imagens perdidas no tempo;
quando e, sobretudo,
minha mãe morria no último parto.

E tu, criança,
me deste a calma do crepúsculo
para que eu pudesse enfrentar
a metamorfose angustiante
de renascer no espaço,
como uma ave branca,
azul que fosse,
de antigas eras,
calma e silenciosa!...

elegia

Apesar de tudo,
tenho renascido a cada momento,
mas é difícil, compreenda...

Veja, sou como aquela ave branca,
fatalmente marcada pela caça humana.

Não trago comigo o desespero
dos bêbados mortos.

Só a natureza talvez falasse
à ferida aberta ou à cicatriz maior:
- meu coração é a única testemunha
do luto que me traz o mundo.

A morfina é uma opção sofrida.

Nenhuma explicação, comum ou científica,
pode atenuar a aparição do meu delírio:
- hoje, sinto as dores do meu parto!...

morte prematura

... e uma estrela desesperada atropelará nossos corpos
ante a indiferença de tantos astros.
Ninguém haverá de querer testemunhar nossas mortes
e somente os pássaros sentirão nossas perdas.

Apesar de ensangüentadas, nossas mãos estarão unidas,
num depoimento amargo, mudo e sem gestos,
e nossa agonia será como um grito de pavor.

A esta hora, quem sabe, passe e pare um transeunte
e, surpreso, possa rir seu riso sarcástico.

Nosso sangue será disputado entre as plantas carnívoras
e crescerão árvores sem raízes, frutos sem sementes,
e de suas entranhas haveremos de colher nossas esperanças.

Muitos olhos estarão fixos em nós e, indignados,
perguntarão a si mesmos o porquê de nossa partida.

Nesse dia, o mar estará revolto e expulsará os banhistas,
os peixes, os navios e, sobretudo, os submarinos assassinos.

Uma criança paralítica compreenderá a razão disso tudo
e procurará uma igreja para confessar sua inocência.

Então, entenderei o motivo pelo qual foi feita a bomba atômica,
mas estarei distante e impassível a tanto remorso.

Depois, nossos corpos estarão cobertos por jornais antigos
(é para que ninguém veja o que sempre se vê)
e, sobre nós, as tétricas manchetes de estúpidos heróis.

Teremos gritado às profundezas do mundo,
às labaredas do fogo que incendiou nossas vidas
e, sobretudo, a Deus, em sua distância incomensurável.

E agora, o momento derradeiro: nunca mais nos veremos,
mesmo que o sol se parta
e espalhe clarões em nossa tumba escura,
mesmo que Deus,
inconformado,
se arrependa de nos ter chamado tão cedo,
mesmo até que o nosso filho nasça deste último delírio.
..........................................................................
E uma ave branca sobrevoará nossos corpos decompostos.

poema anônimo na manhã de ontem

desconhecida minha
e de todas as manhãs,
regressarás entre os ausentes,
como labareda inquieta.

arderás feito sol intenso.

teu fogo
esculpirá a rosa.

poema anônimo na manhã de ontem II

viverás em mim
o tempo das despedidas,
dos girassóis crestados
pelo sol do meio-dia.

gritarás
o eco das prisões vazias,
dos amores amontoados
na sala de estar.

sobretudo,
amarás,
como eu te amei.

chama intensa,
violarás a noite.

quase ontem

ainda outro dia
e nem te lembras
das estações de granito,
das manobras frias pelos quartéis
e dos pomares perdidos entre os quadrantes.

metades

metade de mim
espreita Johanesburgo,
desesperadamente,
nos dias de tensão e de revolta.

outra metade
jaz entre as tribos extintas,
em meio àqueles que nunca viram
o sol da liberdade.

nódoas

nunca mais seremos os mesmos
entre as nódoas do tempo.

solidões antigas
vão pulsar
no coração da noite.

e eu cobrirei teu rosto
com o manto da alvorada.

passagem

um quarto de século recluso,
trancafiado no arcabouço da vida;
imerso entre o etéreo e a utopia.

desesperadamente eu te sonhei
todos os dias
(no silêncio de quem nada pede),
na despedida das estações.

florescem os girassóis

o destino é moeda
sem reverso.

espíritos seremos
na eternidade do minuto.

frágil

dentro em mim
eu te alojei
pelos meus poros,
em minhas veias partidas.

eu te amei, sobretudo,
pela eternidade quieta,
entre os lírios
e as flores dos campos.

frágil,
eu posso me partir
em mil pedaços,
como se parte
um cristal qualquer.

guarda-me no côncavo
de tuas mãos
como se guarda
um grão de areia.

linhas do porto

aquele velho bonde do infinito
flutua entre linhas solitárias
pelos fios esparsos de outono,
com asas, lembranças,
semi-lento
e salta em cada porto
um destino
e brinca de orvalho ao alvorecer.

geografia

vim pelo tempo
estreito e curto
em companhia dos rumos
no subúrbio da tarde
e na alegria da chuva.

nasci
da geografia itinerante
de meus antepassados.

legado

ainda teceremos o fio
onde a tarde abortou
frágeis crepúsculos.

sobretudo, onde,
sob o fogo das guerrilhas,
dançam lépidos fantasmas.

amada de mil memórias,
olhai pelas crianças nas trincheiras!

visionário

os homens marcham
em direção ao templo

nos bolsos os vestígios da fé,
a memória da crença.

os homens marcham
simplesmente.

em outros tempos
apenas hesitavam
entre a cruz e o fogo.

lodo

galeria de imagens, teu corpo flutua
feito dança, na magia da noite.
punhado de orvalho e de desejos,
calendário anônimo das últimas lendas,
trapezista das horas, recado e ausência,
canção e fogo, porto e exílio.
e eu, parte de teu lodo.

o outro lado

eu não conheço
essa tarde cosmopolita
nem os lépidos afluentes
de sua angústia.

cada pedra aqui
é um continente em chamas,
fogo tênue de corpos estendidos.

não me custa
atravessar esse crepúsculo:
o outro lado
mora em mim.

trópico de capricórnio

salta,
angústia,
o tempo norte
das místicas manhãs,
de um dia tarde,
de uma noite qualquer.

permita-me morrer
(no silêncio de quem esquece)
pelas ruas solitárias de teu corpo,
e, ferido os olhos,
redescobrir a vida,
como se fosse ontem...

anônimos

pouco se sabe
de outras investidas.
nem do pouso imprevisto
das aves passageiras.

rumores, apenas,
de estações anônimas
sobrevoam
a tarde sem fim.

e o bêbado
de mil verdades
guarda entre os dedos
o fio da noite.

herdeiros da terra e do fogo

não nos calam
nem a mim,
nem aos nossos,
herdeiros da terra e do fogo.

a esperança não se esvai
como um mero grito,
nem com baionetas perfiladas.

pátria antiga e de bocas atadas.
permita-nos ressurgir de suas veias feridas,
com a ternura e humildade de quem ama.

ave matutina

teu corpo
perdido no tempo,
branco e suspenso
na terra doída.

não te conheço
a intimidade das evoluções,
mas te aprecio
e me encantas.

voas
o alegre balé das
manhãs
na cordilheira
de mistérios.

e pousas teu olhar
matutino e solitário
(acima do horizonte)
das grades de aço e agonia.

funil

dias ontem
onde a liberdade
nos fugia entre os dedos,
temerosa dos temporais.

nossas orações de outono,
agudas na voz do bronze,
cresciam como trigo
aos olhos dos operários retirantes.

e das espessas e densas
corredeiras,
alinham-se pelotões suicidas
e homens fartos de lutas desiguais.

Senhor

porque te procuro
entre outros cajados.
voz mansa e milenar
sacudindo o etéreo e o cosmo.

acaso a estrela maior
brilhou à deriva dos
meus anos?

crianças de nós mesmos
pontificaram a memória dos anciãos.

há monges mergulhados em arco-íris
e flutuam em antigas meditações.

procissão de sonhos adiados,
eu te entrego, invisível amigo,
o amor puro de quem espera
e a oração singela do meu calvário.

liberdade

primeiro a palavra inonimada
e o vento úmido dos teus cabelos umedecidos.

outras tardes não regressaram, nem as vi
nos minutos que desenham os nossos rostos.

saudade antiga,
vai escorrendo pelo meu corpo,
fria como a chuva, quente como o fogo.

e me libertarás do reino dos sonhos
sob o som de todos os sinos,
quando a manhã ressurgir de todas as esperas.

proporções

dentro em nós existe um porto,
galerias frágeis de emoções doídas,
uma manhã clara,
inteiramente nua
e as águas azuis e mornas
de nosso exílio.
............................................
nós também tateamos o milho,
com o jeito bruto de quem tem sede.

sertão (terra de fogo)

com que peso pousas
sobre este chão de humildes.

acaso viste o rancor da terra
tecendo sobre o pó a morte incandescente?

meus rios - todos eles moram em ti,
paisagem de crianças descalças,
de vermes devorando os frágeis corpos.

não importa a caatinga em chamas,
a fúria do fogo, a sede e a fome
apenas estreitam tua gente,
legião de fortes;
porque te amo, terra ferida,
e amo teus cactos nas estações das secas.

exercício

pouco restou
desta manhã.
a greve apenas agoniza
nas fronteiras interpostas.
nenhum outro protesto
na procissão de idéias displicentes.
antes não fossem metais de dois gumes
os mistérios do combate.

claridade

te reconheço,
manhã,
pelos teus presépios
e insultos,
teu remanso de águas repassadas.

te reconheço,
manhã,
quando teus olhos de horizonte
me transpiram sonhos e me despertam,
quando,
pela claridade fria de tuas frestas,
eu respiro a solidão do mundo.

réstias

andamos pelo limiar das memórias,
(antigo pouso de abismos)
crivados de sonhos, setembros distantes
e da fome de ser.

apenas a certeza imprecisa de existir,
resistir.
o possível é um rosto de eternidade
saqueando sombras.

praça

os párias
dormiram na praça
ontem,
Margarida,
cavando esperanças
na terra morna.

pareciam
um bando
de crianças estendidas
entre o canteiro artificial
e o chão duro e sem vida.

paralelos

então roemos as unhas
esse punhal de portas finitas
e as paredes anônimas da tarde.

transeuntes crivados de sonhos,
emigramos todas as noites
nas transversais do medo.

nosso dia está na multidão
de esquinas e vozes abafadas.

outras palavras

as outras palavras
eu as guardei
em invólucros transparentes
sobre os dedos,
como se o rio doído da memória
atravessasse antigas solidões.

degelo

escrever teu nome com a ponta dos anos
e retirar do relógio ocioso
os ponteiros úmidos e a era partida.

não me renegues aos temporais noturnos,
ao degelo das nossas posições imprecisas
e nem me atires ao exílio das tuas sombras.

hoje meus cabelos brancos
se confundem com a névoa dos teus passos.

poema de maio

nunca mais te vi,
nem mesmo quando,
solitários,
meus olhos sacudiram a tarde.

horas cinzas de maio,
de aparência esquiva
- nômade qualquer -
minha pátria nasce em ti
e sobre ti se deita
meu destino.

depois da chuva,
unicamente,
quando os fios esparsos
de cada ausência
romperem o tempo
e a prece mais atenta
gritar teu nome.

muros de ontem
não importa o aço,
ferro ou argila,
se és porto ou exílio.

quantas vezes
não me debrucei
em teu crepúsculo,
para pintar seu sorriso,
quando choravas...

campo minado

até um dia, companheira,
se bebo de teu cálice
a deserção dos rumos

continente de primaveras inúteis,
se recolho a pétala passageira.

afinal, um dia o amor explode,
desesperado tempo este do arcabouço.

porque te amei nos arredores do mundo,
nas frias noites de solidão maior.

nave-mãe

nave-mãe
receio pelo teor das palavras,
abafadas vozes em cirandas efêmeras.

o desconhecido emerge das cinzas
em círculos de fogo.

receio pela alvorada incandescente.

passageiro antigo de minha pátria,
creio na paisagem celeste dos teus rumos,
corpo etéreo cavalgando o infinito.

nave-mãe,
onde reluzem todas as cores,
paraíso de pousada santa.

Deus ressurgirá de teu cosmo
para julgar
cada pedaço deste chão
e os homens que ergueram
sobre esta terra
as primaveras atômicas.

emoções

toda a paisagem tua
mora em cada pedaço do meu corpo,
como uma veia partida.

o tempo é um mero poente
ou um crepúsculo inchado de emoções.

não te perdi,
nem tu a mim,
se somos um só
na farsa da noite veloz.

paisagem

terra morna,
mil léguas
e fontes
no torpor da areia
e argamassas e labirintos

resistimos.

solitários anjos
guardam tuas entranhas
vermelhas e perplexas.

temporal

esse medo da chuva,
ciclo de águas
rasgando as pálpebras
e o estreito silêncio
contido na retina.

outras estações murcharam
no fogo da memória.

olhos de sempre olhar
a terra tramando frutos,
os ratos roendo
as vértebras da noite.

os outros

os outros apenas te conhecem.
nunca rondaram, na noite,
por teus passos velozes,
nem despiram o fogo
de tuas antigas intimidades.

transeuntes passageiros,
os outros se perderam
na névoa do caminho.

não perpetuaram nuvens
em tuas entranhas de amor e solidão.

acaso de nós mesmos,
atiramos nossas vestes da manhã
na correnteza dos nossos sonhos.

crença

à noite,
amigo,
quando despertarem
os últimos poetas
e as aves solitárias
me conduzirem para além dos bares,
eu tomarei de teu cálice
a solidão dos deuses
e juntos brindaremos
ao parto da paz universal!

fragmentos

regressarei a ti,
porque a ti pertenço.
tudo o mais
é circunstancial leveza,
elo entre a essência
e o que mais a alma abomina.
o sonho,
infinita ausência.
quanto mais a vida se desprende,
mais o espírito se aperfeiçoa!

reflexões

restaram as horas inexatas
e os pêndulos desolados.

resíduos de ódio
e pólvora
cultuaram a história.

velhas caricaturas humanas
sobreviveram ao nefasto.

do templo,
intacto,
entoam hinos,
inaudíveis.

e, em silêncio, se fez a trégua,
na dimensão exata,
para que a vida fosse mais vida
e o cosmo mais perfeito.

tempo de amanhã

há ainda o silêncio das naves,
dos que partiram, os sinais dos passos.

a ave da manhã imaginária
rasga o espaço, como num corte profundo.

sangram o tempo do destino
e a semente do orvalho.

a noite assume seu posto
e registra o desencontro das horas.

flashes

guardo-te, assim,
em desesperadas pulsações,
em repetidos flashes,
raios de luz
e intensas trovoadas.

guardo-te, assim,
solidão mais antiga,
porque nada mais me pertence,
porque nunca estás...